domingo, 7 de agosto de 2011

Espiritualidade: encontro com Deus











Encontrar-se com Deus é beber da fonte de água viva. Encontrar-se com Deus é voltar as nossas origens e identificar o próprio Deus conduzindo a nossa história. Na busca da espiritualidade é que alcançamos um nível maior de profundidade na oração.

Deixar que Deus fale em nosso coração é nos colocar em intimidade com Ele, na certeza de que Ele faz parte do nosso ser, Ele é o nosso amado, no qual não devemos esquecer nem um minuto de nossa vida.Ele fala ao nosso coração através das pessoas, das coisas enfim de tudo, desde que olhemos com os Olhos de Deus. Orar é ir bem mais além daquele momento de conversa com Deus, é transcender-se, é apaixonar-se a ponto de sentir-se como S.Paulo”Já não sou eu quem vivo, é Deus que vive em mim.”

A vida de uma religiosa deve ser de constante oração. Uma busca de viver o divino, na certeza de cumprir bem a nossa missão.

O Espírito preenche o espaço, as inquietudes do ser humano. Então como está o nosso coração? Estamos preenchendo-nos de Deus? Estes e muitos outros questionamentos enriqueceram o nosso encontro de junioristas do mês de Junho de 2011 na busca pela vivencia de um carisma mais perfeito.

Agraciadas por um rico carisma, e os extraordinários exemplos de S.Virgínia nos veio o convite através do assessoramento de Ir.Maria Luisa Rodrigues e Ir.Maria Lindaura Crivelari, duas filhas de Nossa Senhora do Monte Calvário, que nos apresentaram testemunhos gratificantes. E também nos encaminharam a fazer o seguinte questionamento: estamos sendo religiosas ou um pé de alface? O encontro foi sem dúvida um momento de graça, onde recebemos mais um convite de estar presente nos múltiplos calvários da vida humana de uma forma mais coerente com nossa espiritualidade e com a realidade que nos rodeia.

Muitos outros questionamentos nos foram apresentados, fazendo crescer em nós a certeza de que algo em nós mudou, porque falar de Nossa Espiritualidade e conhecer a história de grandes santos como S.Bakita nos dá um impulso divino para prosseguir nossa caminhada.

Muito obrigada a Ir.Mª Luiza e sua comunidade que também colaborou para sua estadia conosco dando nos um verdadeiro exemplo de vida fraterna.Ser irmã é partilhar, é comungar de um mesmo ideal, e principalmente colaborar para que cada uma viva a verdadeira espiritualidade que S.Virgínia almejou a suas filhas.

                                                                    Ir.Maria Cristina



quarta-feira, 22 de junho de 2011

Como nascem os paradigmas?

Queridas Junioras,

Espero que estejam todas bem! Vi este video e me lembrei de nosso encontro sobre os Paradigmas.
Da Ir. M. Lindaura... Espero que gostem e se divirtam!

http://www.youtube.com/watch?v=g5G0qE7Lf0A

Beijos e abraços e até breve!


Ir. Simone
Beijos e abraços e até breve!

domingo, 19 de junho de 2011

Espiritualidade e vida!



Queridas junioras,
aproximando-se os dias de nosso encontro, sinto-me como a Raposa à espera do Pequeno Príncipe. Espero que também estejam ansiosas por este momento.
Enquanto ele não chega, partilho com vocês um vídeo.
Saboreiem a simplicidade, harmonia e clareza de mensagem contida na letra, música e imagens...

“Meu amor essa é a última oração / Pra salvar seu coração.
Coração não é tão simples quanto pensa / Nele cabe o que não cabe na despensa
Cabe o meu amor!
Cabem três vidas inteiras / Cabe uma penteadeira
Cabe nós dois / Cabe até o meu amor”

Até breve! Ir. Maria Luiza




quarta-feira, 8 de junho de 2011

Espiritualidade FNSMC

Espiritualidade?

Como vivem as FNSMC?
Somos filhas de Santa Vírginia e por isso estamos estritamente ligadas a Vida.
Santa Vírginia doou sua vida acolhendo e protegendo a vida. Encarnou de fato as palavras de Jesus " minha vida ninguém tira, minha vida eu dou".  Assim  vivemos nós, Filhas de Nossa Senhora do Monte Cálvario, doando nossas vidas ao serviço da vida.

Produção da Mensagem: Educandário São José
Voz: Ir. Mª Mônica Ferreira

Ir. Mª Lindaura Crivelari

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Riquezas sobre Espiritualidade....


Estamos aprofundando o tema  ESPIRITUALIDADE..... Logo após trabalharemos sobre a nossa ESPIRITUALIDADE, como FNSMC. É muito bom viver a  vasta riqueza espiritual deixada por  Santa Vírginia.  
Partilhando..... O que podemos afirmar sobre ESPIRITUALIDADE........


E

spiritualidade, dimensão
squecida e necessária


Texto de Leonardo Boff ( retirado da internet)
Espiritualidade vem de espírito. Para entendermos o que seja espírito precisamos desenvolver uma concepção de ser humano que seja mais fecunda do que aquela convencional, transmitida pela cultura dominante. Esta afirma que o ser humano é composto de corpo e alma ou de matéria e espírito. Ao invés de entender essa afirmação de uma forma integrada e globalizante, entendeu-a de forma dualista, fragmentada e justaposta. Assim surgiram os muitos saberes ligados ao corpo e à matéria (ciências da natureza) e os vinculados ao espírito e à alma (ciências do humano). Perdeu-se a unidade sagrada do ser humano vivo que é a convivência dinâmica de materia e de espírito entrelaçados e inter-retro-conectados.
1. Espiritualidade concerne ao todo ou à parte?
Espiritualidade, nesta segmentarização, significa cultivar um lado do ser humano: seu espírito, pela meditação, pela interiorização, pelo encontro consigo mesmo e com Deus. Esta diligência implica certo distanciamento da dimensão da matéria ou do corpo.
Mesmo assim espiritualidade constitui uma tarefa, seguramente importante, mas ao lado de outras mais. Temos a ver com uma parte e não com o todo.
Como vivemos numa sociedade altamente acelerada em seus processos histórico-sociais, o cultivo da espiritualidade, nesse sentido, nos obriga a buscar lugares onde encontramos condições de silêncio, calma e paz, adequados para a interiorização.
Esta compreensão não é errônea. Ela contem muita verdade. Mas é reducionista. Não explora as riquezas presentes no ser humano quando entendido de forma mais globalizante. Então aparece a espiritualidade como modo de ser da pessoa e não apenas como momento de sua vida.
Antes de tudo  importa enfatizar fato de que, tomado concretamente, o ser humano constitui uma totalidade complexa. Quando dizemos “totalidade” significa que nele não existem partes justapostas. Tudo nele se encontra articulado e harmonizado. Quando dizemos “complexa” significa que o ser humano não é simples, mas a sinfonia de múltipas dimensões. Entre outras, discernimos três dimensões fundamentais do único ser humano: a exterioridade, a interioridade e a profundidade.
2. A exterioridade humana: a corporeidade
A exterioridade é tudo o que diz respeito ao conjunto de relações que o ser humano entretém com o universo, com a natureza, com a sociedade, com os outros e com sua própria realidade concreta em termos de cuidado com o ar que respira, com os alimentos que consome/comunga, com a água que bebe, com as roupas que veste e com as energias que vitalizam sua corporeidade. Normalmente se entende essa dimensão como corpo. Mas corpo não é um cadáver. É o próprio ser humano todo inteiro mergulhado no tempo e na matéria, corpo vivo, dotado de inteligência, de sentimento, de compaixão, de amor e de êxtase. Esse corpo total vive numa trama de relações para fora e para além de si mesmo. Tomado nessa acepção fala-se hoje de corporeidade ao invés de simplesmente corpo.
3. A interioridade: a psique humana.
A interioridade é constituída pelo universo da psique, tão complexo quanto o mundo exterior, habitado por instintos, pelo desejo, por paixões, por imagens poderosas e por arquétipos ancestrais. O desejo constitui, possivelmente, a estrutura básica da psique humana. Sua dinâmica é ilimitada. Como seres desejastes, não desejamos apenas isso e aquilo. Desejamos tudo e o todo. O obscuro e permanente objeto do desejo é o Ser em sua totalidade. A tentação é identificar o Ser com alguma de suas manifestações, como a beleza, a posse, o dinheiro, a saúde, a carreira profissional,  os filhos, assim por diante. Quando isso ocorre, surge a fetichização do objeto desejado. Significa a ilusória identificação do absoluto com algo relativo, do Ser ilimitado com o ente limitado. O efeito é a frustração porque a dinâmica do desejo de querer o todo e não a parte se vê contrariada. Daí, no termo, predominar o sentimento de irrealização e, consequentemente, o vazio existencial.
O ser humano precisa sempre cuidar e orientar seu desejo para que ao passar pelos vários objetos de sua realização – é irrenunciável que passe - não perca a memória bem aventurada do único grande objeto que o faz descansar, o Ser, o Absoluto, a Realidade fontal, o que se convencionou chamar de Deus. O Deus que aqui emerge não é simplesmente o Deus das religiões, mas o Deus da caminhada pessoal, aquela instância de valor supremo, aquela dimensão sagrada em nós, inegociável e intransferível. Essas qualificações configuram aquilo que, existencialmente, chamamos de Deus.
A interioridade é denominada também de mente humana, entendida como a totalidade do ser humano voltada para dentro, captando todas as ressonâncias que o mundo da exterioridade provoca dentro dele.
4. A profundidade: o espírito
Por fim o ser humano possui profundidade. Tem a capacidade de captar o que está além das aparências, daquilo que se vê, se escuta, se pensa e se ama. Apreende o outro lado das coisas, sua profundidade. As coisas todas não são apenas coisas. Todas elas possuem uma terceia margem. São símbolos e metáforas de outra realidade que as ultrapassa e que elas recordam, trazem presente e a ela sempre retém.
Assim a montanha não é apenas montanha. Em sendo montanha, traduz o que significa majestade. O mar evoca grandiosidade; o céu estrelado, infinitude; os olhos profundos de uma criança, o mistério da vida humana e do universo.
O ser humano capta valores e significados e não apenas fatos e acontecimentos. O que definitivamente conta não são as coisas que nos acontecem, mas o que elas significam para a nossa vida e que experiências elas nos propiciam. As coisas, então, passam a ter caráter simbólico e sacramental: nos recordam o vivido e alimentam nossa interioridade. Não é sem razão que enchemos nossa casa ou o nosso quarto de fotos, de objetos queridos dos pais, dos avós, dos amigos, daqueles que entraram em nossa vida e significaram muito. Pode ser o último toco de cigarro do pai que morreu de enfarte ou o pente de madeira da tia que morreu ou a carta emocionada do namorado que revelou seu amor. Aqueles objetos não são mais objetos. São sacramentos, pois falam, recordam, tornam presente significados, caros ao coração.
Captar, desta forma, a profundidade do mundo, de si mesmo e de cada coisa constitui o que se chamou de espírito. Espírito não é uma parte do ser humano. É aquele momento da consciência mediante o qual captamos o significado e o valor das coisas. Mais ainda, é aquele estado de consciência pelo qual apreendemos o todo e a nós mesmos como parte e parcela deste todo.
O espírito nos permite fazer uma experiência de não-dualidade. “Tu és isso tudo” dizem os Upanishads da India, apontando para o universo. Ou “tu és o todo” dizem os yogis. “O Reino de Deus está dentro de vós” proclama Jesus. Estas afirmações remetem a uma experiência vivida e não a uma doutrina. A experiência é que estamos ligados e re-ligados uns aos outros e todos à Fonte Originante. Um fio de energia, de vida e de sentido perpassa a todos os seres, constituindo-os em cosmos e não em caos, em sinfonia e não disfonia.
A planta não está apenas diante de mim. Ela está como ressonância, símbolo e valor dentro de mim. Há em mim uma dimensão montanha, vegetal, animal, humana e divina. Espiritualidade não consiste em saber disso, mas em vivenciar e fazer disso tudo conteúdo de experiência. Bem dizia Blaise Pascal: “ crer em Deus não é pensar em Deus mas sentir Deus”. A partir da experiência tudo se transfigura. Tudo vem carregado de veneração e de sacralidade.
A singularidade do ser humano consiste em experimentar a sua própria profundidade. Auscultando a si mesmo percebe que emergem de seu profundo, apelos de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o grande Outro, Deus. Dá-se conta de uma Presença que sempre o acompanha, de um Centro ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se elaboram os grandes sonhos e as significações últimas da vida. Trata-se de uma energia originária, com o mesmo direito de cidadania que outras energias como a sexual, a emocional e a intelectual.
Pertence ao processo de individuação acolher esta energia, criar espaço para esse Centro e auscultar estes apelos, integrando-os no projeto de vida. É a espiritualidade no seu sentido antropológico de base. Para ter e alimentar espiritualidade a pessoa não precisa professar um credo ou aderir a uma instituição religiosa. A espiritualidade não é monopólio de ninguém, mas se encontra em cada pessoa e em todas as fases da vida. Essa profundidade em nós representa a condição humana espiritual, aquilo que designamos espiritualidade.
Obviamente para as pessoas religiosas, esse Centro é Deus e os apelos que dele derivam é sua Palavra. As religiões vivem desta experiência. Articulam-na em doutrinas, em ritos, celebrações e em caminhos éticos e espirituais. Sua função primordial reside em criar e oferecer condições para que cada pessoa humana e as comunidades possam fazer um mergulho na realidade divina e fazer a sua experiência pessoal de Deus.
Essa experiência porque é experiência e não doutrina tem como efeito a irradiação de serenidade, de profunda paz e de ausência do medo. A pessoa sente-se amada, acolhida e aconchegada num Útero divino, O que lhe acontecer, acontece no amor desta Realidade amorosa. Até a morte é exorcizada em seu caráter de espantalho da vida. É vivida como parte da vida, como o momento alquímico da grande transformação para poder estar, de fato, no Todo e no coração de Deus.
Esta espiritualidade é um modo de ser, uma atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias. Mesmo dentro das tarefas diárias da casa, trabalhando na fábrica, andando de carro, conversando com os amigos, vivendo a intimidade com a pessoa amada, a pessoa que criou espaço para a profundidade e para o espiritual está centrado, sereno e pervadido de paz. Irradia vitalidade e entusiasmo, porque carrega Deus dentro de si. Esse Deus é amor que no dizer do poeta Dante move o céu, todas as estrelas e o nosso próprio coração.
Esta espiritualidade tão esquecida e tão necessária é condição para uma vida integrada e singelamente feliz. Ela exorciza o complexo mais difícil de ser integrado: o envelhecimento e a morte.
Para a pessoa espiritual o envelhecer e o morrer pertencem à vida, não matam a vida, mas transfiguram a vida, permitindo um patamar novo para a vida. Assim como ao nascer, nós mesmos não tivemos que nos preocupar, pois, a natureza agiu sabiamente e o cuidado humano zelou para que esse curso natural acontecesse, assim analogamente com a morte: passamos para outro estado de consciência sem nos darmos conta dessa passagem. Quando acordamos nos encontraremos nos braços aconchegantes do Pai e Mãe de infinita bondade, que desde sempre nos esperavam. Cairemos em seus braços. E então nos perdemos para dentro do amor e da fonte de vida.



domingo, 22 de maio de 2011

Espiritualidade e Carisma

Nosso próximo encontro de junioristas

Estamos ainda vivendo o momento da Ressurreição de Jesus e com Ele precisamos também ressurgir de nossas fraquezas e limitações, para melhor sermos testemunhas de seu Reino de vida e amor.
Estamos aproximando do nosso encontro que realizar-se-a na casa provincial, nos dias 23,24,25,26 de junho 
sob a orientação de Ir. Maria Luiza Rodrigues, FNSMC.
Refletindo.......
Preces!!!
Ir. Maria Lindaura Crivelari


ESPIRITUALIDADE CRISTÃ E PARADIGMAS ATUAIS

Paradigmas culturais estimulam nossa razão e sensibilidade. Às vezes, esclarecedores e precisos; outras vezes, polêmicos e polissêrnicos. Especialmente no recente cenário mundial, onde o cosmos, a subjetividade e a costuram novas tramas e linguagens. Qual bruma que se eleva, elementos diversificados se misturam e nos envolvem, em acelerado movimento.
Envolvidos nesse cenário dinâmico, dedicamos as páginas seguintes ao discemimento - não unilateral, mas dialógico. Assim, o presente ensaio propõe vias de interlocução entre a identidade cristã (com seu patrimônio bíblico-místico secular) e alguns paradigmas culturais emergentes. Sem pretender compor um tratado sistemático, nestas linhas conjugamos observação e intuição: o saber da tradição e o sabor das tentativas.
I. PARADIGMAS, ONTEM E HOJE
1. O que é paradigma?
   O termo "paradigma" vem do grego parádeigma. Significa "exemplo", "tipo" ou "padrão". Os paradigmas estão presentes nas artes, teorias e mentalidades como linhas de fundo. Servem de referenciais inspiradores para a construção das culturas e ciências. Um exemplo é o paradigma da análise, que divide a realidade em partes específicas para compor um conhecimento especializado de cada fragmento. Esse paradigma inspirou o método científico e criou o chamado expert - alguém especialista num único objeto.
    Há quem prefira falar de "modelos" em vez de paradigmas. Afinal, os paradigmas funcionam como macromodelos que, como a palavra mesma diz, "modelam" nossos esquemas mentais e nossa visão de mundo. As teorias e as práticas são o que são, porque existe um macromodelo, um horizonte inspirador que lhes define o rosto. Esse macromodelo, porém, vai se dinamizando ao longo dos tempos, dando origem a vários outros paradigmas, com inúmeros desdobramentos.
2. Horizonte e dinamismo
Os paradigmas dinamizam a própria cultura, uma vez que influenciam de modo amplo toda a realidade experimentada por um povo, uma categoria, uma ciência ou uma religião. É como se estivéssemos diante de um largo horizonte onde se movem "modelos de vida".
Nesse horizonte vemos, em esboço, os traços que compõem nossa identidade pessoal e social.
Um exemplo de paradigma com essa amplitude foi o helenismo: padrão cultural de berço grego dominou da Ásia Menor até o Norte da África, e era marcante na época das primeiras comunidades cristãs. O helenismo modelou uma concepção própria da vida e pregou a mentalidade universalista que abraçava, num mesmo horizonte, muitíssimas diferenças regionais, étnicas e religiosas. Esse paradigma, na época, influenciou o conhecimento humano, a arquitetura, os intercâmbios culturais e comerciais, a cosmovisão e a filosofia. O próprio cristianismo teve que se defrontar com a cultura helenista, a tal ponto que as Escrituras Cristãs chegaram até nós redigidas em grego, num contato direto com várias cidades do universo helenista
(Éfeso, Atenas, Tessalônica, Alexandria etc.).
Assim como o helenismo, outros paradigmas são gestados ao longo dos séculos, reelaborando pensamentos e influenciando estilos de vida: o paradigma aristotélico, o paradigma cartesiano, o paradigma da globalização etc. Ora nos envolvem sem que percebamos, pois estamos inseridos neles e deles nos servimos; ora nos assustam,
porque nosso olhar se revela tímido e restrito para perceber a extensão do horizonte que se abre. Essa perplexidade acontece especialmente no caso de paradigmas novos, ainda em fase de amadurecimento, e por isso mesmo encarados de modos diversos: às vezes com simpatia, outras vezes como desafio à identidade cristã.
3. Novidade e provocação à fé
É compreensível que linhas de pensamento mais recentes deem origem a paradigmas novos: o paradigma ecológico; a interação em rede: o feminino; a holística; e outros. São novos, ou porque em seu aparecimento trazem elementos inéditos, ou porque reeditam percepções anteriores, porém com fisionomia nova e num lugar novo.
É o caso do paradigma ecológico: já presente na sabedoria bíblica e na espiritualidade franciscana, hoje se oferece a nós com outras coordenadas, abrangendo desde a educação infantil até as mais inovadas técnicas de preservação do meio ambiente. Já podemos falar, inclusive, de uma "mística ecológica" que se espalha por amplos espaços humanos, como uma rede estendida sobre o planeta.
Esses novos paradigmas pedem de nós, cristãos, um olhar atento. Como dissemos antes, causam perplexidade. Mas não significam o fim do cristianismo ou um xeque-mate à espiritualidade evangélica. É bom lembrar que também nesse contexto paradigmático cabe discernir os "sinais dos tempos" (Mt 16,3). Os paradigmas emergentes constituem filtros críticos: uma chance de revisão criativa de como propomos, em nossos esquemas, práticas e linguagens, os elementos essenciais da fé cristã - sobretudo neste milênio, cheio de temores e decepções, de um lado, tentativas e esperanças, de outro.
4. Qual será a atitude cristã?
Professamos uma fé histórica que aprendeu a ouvir o mistério divino em muitas palavras e eventos: a criação, o êxodo, os mandamentos, os profetas, o messias Jesus, os mártires, a comunidade orante (instâncias do auditus fidei). Por trás dessas palavras está a Palavra definitiva, o Verbo. Por trás desses eventos salvadores, o grande paradigma bíblico da Aliança. Por que não poderia o Senhor do Tempo e
dos Corações nos falar pelas vozes inéditas que hoje ouvimos?
O cristianismo é histórico, continuamente interpelado a renovar seu dinamismo, fazendo memória de suas raízes e ao mesmo tempo discernindo o Hoje de Deus nas contingências humanas. No que toca às nossas raízes, somos radicais, ou seja, enraizados nas fontes cristãs - o que nos possibilita receber e fluir a seiva do Espírito da Verdade. Mas, no que se refere ao nosso estar no mundo, somos peregrinos em
travessia, sempre atentos em discernir rumos e encruzilhadas,
Esta dupla atenção - memória das raízes e inserção no mundo com discernimento - tem caracterizado a "contemplação cristã" em diferentes épocas históricas. É assim, em desafiante contemplação (ao mesmo tempo acolhimento e exame dos sinais dos tempos), que os novos paradigmas se descortinam ante nossa perplexidade, como matrizes de algo novo, ainda em processo; como areópagos inéditos para o anúncio evangélico; e como passagens que nos fazem repensar a fé num outro lugar, como numa travessia difícil de contornar, à semelhança das "páscoas" já vividas na história do Povo de Deus”.

5. Matrizes, areópagos e passagens
Os paradigmas têm uma função de matrizes, de núcleos geradores (do latim matrix: genitora, mãe). Cada paradígma, a seu modo e em sua época, funciona como um cadinho, com ingredientes antigos mesclados a elementos recentes, numa mistura ímpar, gerando quase sempre algo novo. Um cadinho onde ocorrem novas combinações. Localizar um paradigma nos possibilita localizar as experiências  ali contidas e conhecer as doses certas da mistura. Os paradigmas organizam as experiências a partir de grandes referenciais, ajudam a interpretar os elementos implicados e nos possibilitam compreender o resultado final da mistura. Nesse sentido, não seria exagero admitir que, em termos de cultura e macromodelos, os paradigmas geram a própria humanidade.
Outras vezes, os paradigmas são como areópagos: o lugar aberto à palavra, aos anúncios e debates. Um paradigma novo provoca uma linguagem nova: reedíção de antigos ditos, novas expressões para ler e dizer a realidade, ampliação semântica. Um exemplo é quando falamos em evangelizar com "novas expressões". Na verdade, estamos supondo o paradigma da "nova evangelização" como novo lugar desde onde
anunciamos Jesus Cristo. O mesmo aconteceu com o cristianismo quando deixou a sinagoga e foi à praça das cidades gregas. O contexto helenista funcionou como areópago da palavra cristã - a formula fidei (linguagem da fé) se encarnou nesse novo lugar, expressando-se com novas palavras e sotaques. Os paradigmas são verdadeiros areópagos. Não anulam o anúncio cristão. Mas, sendo novos referenciais, são espaços de reelaboração da palavra, do discurso e da hermenêutica cristã.
Finalmente, os paradigmas nos convidam ao deslocamento, à passagem de um lugar já domesticado para outro inédito. Assim é que acontecem todos os êxodos, e somente com êxodos podemos alcançar a terra prometida, conhecendo-a e estabelecendo ali nossas tendas.
Se quisermos dinamizar a fé (mais ainda, a espiritualidade) no encontro com novos paradigmas, tomaremos nossa bagagem própria e nos deslocaremos para o novo, o provocador, o inédito. A categoria da passagem é muito sugestiva, porque nos lembra que o cristianismo só caminha à base de contínuas páscoas. Não nos esqueçamos de que a experiência pascal é passagem, e que a itinerância evangélica é um traço do próprio Jesus e seus discípulos. Um exemplo: se pensarmos a criação nos moldes do Gênesis, hoje tomamos essa bagagem peculiar e nos deslocamos até o atual paradigma ecológico para ali estabelecer morada e cultivar, nesse novo lugar, o Paraíso anunciado. O mesmo acontece com outros elementos da fé. Os paradigmas nos oferecem novos endereços para a experiência espiritual, para a teologia, a in-
terpretação bíblica, a solidariedade evangélica e o serviço pastoral.
6. Quanto à espiritualidade
No que se refere à espiritualidade, a questão dos paradigmas é instigante - para não dizer inspiradora, em muitos casos - visto que a espiritualidade cristã é sempre uma experiência situada na história e numa cultura. Se as teorias e a práxis se moldam segundo paradigmas, o mesmo podemos perceber ao tratar da espiritualidade: tanto a experiência cristã tem uma localização paradigmática (um endereço que a situa em relação aos macromodelos) como ela pode ser interpelada a uma reformulação à medida que mudam os paradigmas vigentes.
Num ou noutro caso, trata-se de examinar a identidade cristã da espiritualidade (suas raízes, fontes e valores essenciais) e ver como essa identidade se articula com o horizonte paradigmático onde ela mesma se move. Seja esse horizonte marcado por paradigmas antigos, estabelecidos após longa maturação cultural; seja ele palco
onde se descortina um cenário novo, com paradigmas inéditos e desafiadores.
Foi assim que aconteceu quando a comunidade cristã deixou a Palestina e se aventurou além do mundo semita. Primeiro no mundo helênico, com sua agilidade mental feita de deduções e analogias; depois no mundo latino. Com sua herança organizativa e jurídica. Desde então,o cristianismo revela muitas faces e distinções, porque muitos foram os horizontes referenciais: o paradígma semita, o paradigma alexandrino, o paradigma latino, e assim por diante. Diga-se o mesmo das muitas
espiritualidades no interior do cristianismo. E isso sem esquecer o universo peculiar do cristianismo oriental, da Síria a Bizâncio.
Reformular a fé e a espiritualidade significa encontrar "novas formulações", dando perfil novo e significativo a um rosto já clássico e secular. Não se trata de abrir mão de valores legítimos, nem de empobrecer injustamente a fé, mas de cultivar a "contemplação" desde nossa inserção nos recentes horizontes paradigmáticos, para experiençar o Evangelho nessas novas matrizes, areópagos e passagens. Uma nova configuração não significa o desprezo da Tradição, a renúncia do essencial ou a extinção da Palavra. Significa, antes, a arte de estabelecer tenda em outros endereços, e ali "tirar do baú coisas novas e antigas" com sabedoria e discemimento (Mt 13,52). Obra certamente conduzida pelo Espírito de Deus, que nos ajudará a descobrir novas
faces do profetismo e do testemunho que tanto prezamos.

7. Discernimento cristão
Existem luzes que podemos lançar sobre o momento presente, na tentativa de distinguir o joio do trigo. O Novo Testamento nos sugere cinco critérios para discemimento:
·   Na história da Salvação, Deus não reina desde as alturas, mas desde a Tenda na qual habita e peregrina em meio ao povo: esse primeiro critério lembra a presença do Reino entre nós e a encarnação do Verbo na humanidade. Logo, não há duas histórias, uma de Deus, outra nossa. Mas uma única história: a História de Deus-conosco, que faz da trajetória humana verdadeira história de salvação. Tudo o que toca à liberdade e à vida humanas toca o projeto salvador de Deus (cf. Jo 1,14)
·   A misericórdia e a justiça são “sinal da presença” do Reino de Deus: o critério da práxis evangélica, da postura ética cristã, da promoção da vida que supera fronteiras e exclusões (cf Mt 25,40).
·   O pobre, o órfão, a viúva, o peregrino e a estéril são os prediletos de Deus: predileção significa os que são amados por primeiro (pré-dilecti), porque são os mais carentes de vida e misericórdia. Permanece, portanto, o convite a um renovado amor pelos mais carentes e excluídos (cf Lc 10,30-37).
·   O Reino de Deus cria fraternidade e educa a humanidade à convivialidade irrestrita: o horizonte último do Reino é a "comunhão", traço da Trindade e fruto de todas as Alianças. A convivialidade se estabelece entre todas as raças e culturas, com a natureza e na corresponsabilidade pela manutenção da vida cósmica e humana (cf Gl3,28).
·   A beleza da criação já festeja antecipadamente o futuro do Mundo, que é ser jardim onde Deus e a humanidade caminham juntos: o critério do testemunho alegre, da via da beleza e da contemplação, da esperança inabalável alimentada pela memória da Páscoa do Senhor, início dos novos céus e da nova terra (cf Ap 21,1-3).
Esses critérios ajudam a avaliar os anseios humanos e as propostas recentes, no que se refere à justiça, fraternidade planetária, preservação da natureza e inserção no cosmos.
11. ESPIRITUALIDADE E PARADIGMAS ATUAIS
No encontro com paradigmas novos, a espiritualidade cristã revisita sua secular bagagem, seja destacando elementos tradicionais com brilho novo, seja interagindo com o contexto que a desafia, ou ainda tematizando questões recentes já intuídas, mas pouco elaboradas. Em todos os casos, a atitude será sempre lúcida, dialogal e
consciente dos critérios norteadores da fé cristã. Destacamos, aqui, alguns paradigmas emergentes. Cada um toca a espiritualidade cristã de um modo peculiar, convidando ao discernimento e oferecendo ocasiões para uma contribuição criativa:
1. Corporeidade
Multiplicam-se as academias de ginástica, a oferta de cosméticos, a busca da dieta ideal e o uso do físico pela mídia. Da propaganda às terapias, da alimentação às artes, o corpo tem se consolidado como apelo, presença e percepção. Busca-se, acima de tudo, o bem-estar: cultivam-se vias de superação do estresse e harmonia psicossomática, equilibrando o biológico e o psicológico e assumindo o corpo como
espaço de cuidado integral da pessoa.
Contudo, por mais contraditório que pareça, o corpo continua sendo diretamente chagado e desagregado. Ao lado das propostas citadas, ferem o corpo as violências físicas, morais e psicológicas - entre as quais a fome, os ataques armados e a expatriação - ao lado da cisão entre pessoa e desejo, corpo e afeto. Não apenas sutis dualismos se infiltram e persistem em algumas políticas e espiritualidades, mas também o dualismo claro e agressivo imposto pela exclusão: de um lado, o "corpo belo" como produto do investimento ideal em alimentação, saúde, meditação e cuidado estético; de outro (dramaticamente distante), o "corpo ferido" resultante da subnutrição, da ansiedade e do descaso pelos membros carentes da sociedade. A isso se acrescenta a vigência da guerra, da tortura, do trabalho escravo e do tráfico de pessoas, como situações-limite e irracionais a serem devidamente enfrentadas e superadas em pleno século vinte e um.
Tal situação tem merecido o olhar de antropólogos, terapeutas, psicólogos e sociólogos. Ao que tudo indica, estamos diante de uma tarefa exigente em termos de humanidade: viver nossa experiência cotidiana de corporeidade de modo equilibrado, ético e integral. Nem reduzir o corpo à mera "prisão da alma", nem fazê-lo escravo dos
caprichos do Mercado. Como cristãos, nos propomos uma abordagem humanizante e ajustada do corpo, que passe do corpo-propriedade (mais ainda do corpo-produto) e alcance a dignidade do corpo-sujeito. Qual seria - em linhas essenciais - a contribuição cristã neste sentido?
Entre muitos elementos, destacamos aqui três perspectivas: o corpo-síntese, o corpo-vivente e o corpo-sujeito.
No cristianismo, dizer "corporeidade" já é uma afirmação de síntese, na qual "corpo" e "alma" (exterioridade e interioridade) se conectam na experiência humana de ser e estar no mundo. Jamais só ou isolável, o corpo solicita uma antropologia unitária. Pois sendo "corpo e alma, mas realmente uno, o ser humano, por sua própria condição corporal, sintetiza em si os elementos do mundo material."que nele assim atinge sua plenitude e apresenta livremente ao Criador uma voz de louvor '. Mais que invólucro da alma, o corpo especifica a condição humana como "condição corporal", por sintetizar os binômios corpo-sujeito e corpo-mundo. Nossa corporeidade se revela como imbricação entre subjetividade e biologicidade, entre o humano e cósmico que nos constituem. Relendo o patrimônio místico e humanístico do século XII, encontramos percepção semelhante na autora beneditina Hildegarda de Bingen, citada antes:
Todos os elementos do cosmos - também criados por Deus - se encontram no ser humano; e este opera com eles. Seus nomes são fogo, ar, água e terra. Essas quatro matérias fundamentais estão tão entrelaçadas e vinculadas entre si que nenhum dos elementos pode ser separado dos outros. Eles se mantêm nessa união comum de tal sorte que ao conjunto resultante chama-se "firmamento", ou seja, a firme estrutura
do mundo. Tais elementos embevecem tudo o que forma a natureza humana, assim como o ser humano incorpora em si mesmo também os elementos - de fato o homem vive com eles e eles com o homem - e até o sangue humano flui conforme isso.
Já que somos uma síntese entre corpo-sujeito e corpo-mundo, entendemos a corporeidade como nossa maneira própria de inserção no tempo e no espaço. É no corpo que podemos ser e existir no tempo e no espaço, inserindo-nos no que chamamos "realidade" com suas esferas histórica, afetiva e utópica. Mediante nosso corpo, nos distinguimos e nos identificamos com os demais corpos (vegetais, minerais,
animais e siderais), sem cair nos extremos da divisão estanque, nem da confusão ontológica. A categoria-ponte, nesse caso, é a interlocução ou imbricação que a própria corporeidade estabelece com os demais corpos e os elementos que os constituem, enquanto vivemos inseridos no mundo (= tempo e espaço vigentes).
Essa qualidade de síntese marca, sobretudo, nosso trajeto enquanto corpos viventes. Pois a interlocução e inserção no tempo e no espaço acontecem, efetivamente, mediante a corporeidade: experiência sensível, nutrimento, itinerância, coleta de matéria-prima, transformação por meio de tecnologias, uso do meio ambiente etc. O corpo-vivente não é apenas o corpo-sujeito - dotado de arbítrio racional (ou alma) - mas é esse corpo-sujeito vivendo no quadro real feito de tempo e espaço, tanto objetivos (realidade ad extra) quando subjetivos (percepção ad intra). Isso se reflete na distinção que alguns idiomas fazem entre corpo-vivente (soma, Leib) e corpo-moriente (sarx, Korper). Na visão paulina, enquanto sarx se destina à transitoriedade e à corrupção, soma se destina à glorificação e à vida definitiva, perpetuando-se na condição de "corpo glorioso" (cf, Rm 8,22-23; 1Cor 15,42-44; 2Cor4,10).
Assim, podemos delinear o corpo-sujeito como liame ontológico entre carne e afeto, subjetividade e biologicidade, pessoa e mundo. É nessa condição que viajamos no tempo e no espaço, entre morte (sarx - corrupção) e vida (soma - glorificação) ao longo de nossa existência.
Contudo, antes mesmo da realização escatológica (plenitude do corpo glorificado), há certas vivências em que nos percebemos corporalmente integrados, totalmente corpo e totalmente sujeitos! É o caso originalíssimo das vivências arquetípicas, quando a pessoa participa inteira num estado de envolvimento psicossomático e emocional, sem dualismos ou divisões. Citamos, nesse sentido, a dança, o esporte (incluindo as manifestações lúdícas), a relação amorosa-sexual, a criação artística e a adoração (singela ou extática). Nessas vivências, é um sujeito pleno que age e se expressa, eliminando a cisão carne/alma. É o corpo-sujeito (enquanto síntese vivente) que dança, salta no trapézio, ri e brinca, une-se amorosamente, dedilha o piano e se prostra em adoração.
Pensemos, por exemplo, na dança olímpica, na execução da música ao violino ou nos êxtases de Teresa de Ávila. Nessas vivências, o corpo nunca é opaco, mas translúcido! Vemos nele a interioridade humana em sua irradiação emotiva, energética, criativa e interpretativa. Nesses casos, o sujeito revela sua corporeidade, tanto quanto sua personalidade. Então o corpo se faz profundidade, microcosmos, linguagem da alma, vibração estética e sacramento de comunhão. Em plena Idade Média, expressava-se Hadevich de Anvers:
Ele (Jesus) se aproximou de mim, me tomou toda entre seus braços e me estreitou contra si; e todos os meus membros sentiam o contato dos seus, tão completamente quanto - seguindo meu coração - minha alma o havia desejado. Assim quedei-me, satisfeita e saciada exteriormente. Uma sensação externa como a do amante com a amada, que se dão um ao outro na plena complacência de olhar, sentir e misturar-se.

2. Cosmos
O cosmos voltou recentemente à cena: é tema da física, da ecologia, da antropologia e de diversos misticismos. Muito se ensaia e se publica a respeito. Há elementos de reflexão variados, alguns bastante pertinentes. O que contrasta com a visão cristã é admitir o Cosmos como entidade autônoma, capaz de gerar-se a si mesma cíclicamente, sem nenhuma referência a um destino transcendente e sem considerar (a partir da Terra) a intervenção humana nesse processo. Nesse sentido, ao ser humano bastaria mergulhar na corrente energética que circula no Universo para tornar-se "um" com o Cosmos, numa espécie de macroconsciência sem individualidade.
Preservando-se a alteridade absoluta de Deus como criador, e admitindo a originalidade do ser humano como criatura consciente e amorosa, podemos dialogar com o tempo presente, oferecendo o que nos é peculiar. Essa postura mostra em que pontos o cristianismo se distingue, mas, ao mesmo tempo, oferece uma contribuição cristã para a elaboração do paradigma cósmico, tão emergente. Afinal, a contemplação cósmica tem lugar consagrado na mística cristã, especialmente a partir da perspectiva paulina do Cristo Universal:
É pelo seu (de Cristo) sangue que temos a redenção, a remissão dos pecados segundo a riqueza de sua graça, que ele (Deus Pai) derramou profusamente sobre nós, infundindo-nos toda sabedoria e inteligência, dando-nos a conhecer o mistério de sua vontade, conforme a decisão prévia que lhe aprouve tomar para levar o tempo à sua plenitude: a de em Cristo encabeçar todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra (Ef 1,7 -10). Pois nele (no Cristo) aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus (Coll,19-20).
Ademais, a antiga espiritualidade patrística - fiel à teologia bíblica do Verbo - já admitia o Cosmos como "palavra de Deus. Essa intuição tem bases sólidas na Escritura: Os céus narram a glória de Deus e o firmamento proclama a obra de suas mãos!" (SI 18,2). A obra revela o Artista, "autor de toda beleza" (Sb 13,3). Deus diz algo
sobre
si mesmo na natureza, como diz algo de si na Sagrada Escritura. A espiritualidade cristã sempre cultivou essa simpatia em relação ao Universo. Contemplar os astros, perceber o rumo dos ventos, o nascer da aurora e a alternância das estações é experiência que encanta e
envolve. O Cosmos fala da beleza e da bondade d'Aquele-que-é, que tudo criou e tudo sustenta.
Mais que isso, a espiritualidade cristã vê no Cosmos a morada que o Senhor nos preparou. Todo o Universo é contemplado como uma tenda na qual Deus, homem, mulher e todas as formas de vida habitam, num contínuo convite à comunhão.P Existe um vínculo que irmana tudo, desde as formas complexas de vida até a mais rude matéria. Verdadeira solidariedade criatural! No Universo encontramos a Deus,
conhecemos a ele e a nós mesmos, e estabelecemos convivialidade, como peregrinos na mesma tenda. Somente inseridos nesse espaço de vida e beleza podemos conhecer o Criador e nos aproximar dele chamando-o "Amigo!" - como fazem os caravaneiros nas tendas do deserto.
Um duplo sentimento nos envolve: maravilhamento e responsabilidade. Nós nos encantamos com a Criação e nos sentimos por ela responsáveis. Somos jardineiros da criação. Homens e mulheres, Deus nos "colocou no Jardim para o cultivar e guardar" (Gn 2,15). Muitos místicos e ativistas cristãos experimentaram isso. Já escrevia
Hildegarda de Bingen:  A vitalidade dos elementos terrestres vem do Criador. É esse vigor que nutre o mundo: aquecendo, umedecendo, firmando, cobrindo de verde. Isso acontece para que todas as criaturas possam germinar e crescer. Toda a natureza está à disposição da humanidade. Devemos trabalhar com ela. Sem ela não conseguimos sobreviver ... Deus deseja que o mundo todo seja puro a seus olhos. A terra não deve ser danificada. A terra não deve ser destruída.
Poderíamos citar também Francisco de Assis, Teilhard de Chardín e outros. Temos, portanto, uma vertente cósmica já intuída na mística cristã, num percurso que começa na contemplação bíblica e nos alcança hoje. Não nos cabe apenas distinguir e criticar. Cabe-nos participar do momento atual, oferecendo nosso contributo peculiar.
A espiritualidade cristã tem sua dose de responsabilidade na educação de uma humanidade feliz, inserida num Cosmos destinado por Deus a se desabrochar em nova criação.
3. Terra
Assim como o Jardim é ícone (imagem) do Cosmos, surge um novo rosto para a Terra, à imagem de. Gaia: a antiga deusa feminina e fecunda, a Terra Mãe morada.de todos os mortais (em grego, Ghéa).       A passagem da Terra materialmente definida para o paradigma de Gaia indica uma nova relação dos seres humanos com o planeta em que habitamos. A ciência estabeleceu um contato de análise, exploração e domínio com a Terra. Hoje a Terra é vista como útero de toda vida, solofértil para plantar e colher, Mãe bondosa que alimenta e regenera. Deixa de ser um planeta anônimo e explorado, e se torna
Gaia: objeto de nossa,estima e de nosso cuidado.
É interessante perceber aqui, uma reação de descontentamento com aquela postura instrumental-cientificista que tantos males causou à ecologia. Reação de um filho indignado que resolve assumiras dores da Mãe, para lhe recuperar a graça, e a formosura. Algo próximo da atitude dos velhos alquimistas, para quem a Terra era, sobretudo, mãe (doadora de vida) e dama (parceira enamorada). A Terra é tratada
com reverência e gratidão.
Como vemos, a linguagem atual se inspira em antigos mitos. Mas não nos enganemos: por trás das expressões míticas e até certo ponto românticas está sendo gerada uma relação nova com a Terra. Uma espécie de "mística da Grande Mãe" em esboço, mas com adeptos engajados. Talvez estejamos testemunhando um novo despertar da consciência humana, que se vê na obrigação de manter a vida e a fecundidade do planeta.
Não temos aí uma brecha para a Boa-nova? Não podemos contribuir para esse empenho de responsabilidade perante a Terra? Na emergência desse paradigma não estaria a acolhida da Terra como dom, tal qual nos relata o Gênesis?
A ecologia é um areópago que solicita a presença e atuação cristãs, não só por causa das urgências ambientais, mas em virtude da teologia da Criação queprofessamos. Afinal, nós cristãos sempre rezamos: ''Vem, Espírito Santo, renova a face da terra". Segundo o Salmo 104, a Terra se enverdece com a divina ruah,renovando-se em contínuas primaveras. A teologia da Criação concebe a Terra como solo do Espírito, projetada por Deus para acolher as sementes de seu Reino. O que ouviu Moisés, no passado, sobre o monte Horeb aplica- -se hoje a todo o Planeta: "Esta terra que pisas é santa!" (Ex 3,5).
4. O feminino
Segundo muitas opiniões, o principal protagonista dos novos tempos é a mulher. Feminina por natureza, amante do Jardim e sensível aos sussurros de Gaia - com quem mantém uma solidariedade uterina. Para outros, o papel da mulher é assumir seu lugar-referencial para reordenar todo o emaranhado das relações, dos afetos e da vida social, clareando uma identidade outrora sufocada e ajudando os próprioshomens a redefinirem sua masculinidade. Nesse caso, o pro- tagonista seria a humanidadeintegral, em suas expressões feminina e masculina. As opiniões são muitas, convergentes ou divergentes. Merecem, contudo, ser ouvidas e estudadas detalhadamente. Pois estamos lidando com algo irreversível: o processo de remodelamento da própria humanidade, na sua identidade de gênero. Isso incide sobre a sexualidade, as relações de poder, o diálogo interpessoal, a afetividade, o modelo familiar e a cultura.
A espiritualidade cristã testemunha a presença inequívoca ela mulher. A começar pelas personalidades bíblicas, como Miriam, Ana, Suzana, Ester, Sulamita, Maria de Nazaré e Maria de Mágdala. Depois com as grandes mestras, Matilde deMagdeburgo, Hildegarda de Bingen, Clara de Assis, Gertrudes de Helfta, Catarina de Sena, Teresa d'Ávila, Teresinha de Lisieux e Edite Stein, para citar apenas algumas.

Não é de estranhar que as Igrejas Cristãs tenham servido de terreno para tantos e recentes debates, onde o feminino desponta como luz, reivindicação, protesto, ternura ou profetismo. Assim acontece no mundo da teologia, da interpretação bíblica, da moral etc. Se antes a presença da mulher parecia irrelevante, não era por ausência, mas porque o padrão masculino-ocidental a ofuscava, muitas vezes desclassificando as mulheres como pouco significativas para a fé e a produção teológica.
Hoje Vênus renasce nas ondas da pós-modernidade e chega aos continentes provocante como nunca. Volta à cena a feminilidade, em suas múltiplas e provocantesfaces: bela (Afrodite) e fértil (Ceres): outras vezes destruidora (Medusa) e fatal (Sereia); inspirando deuses (Radha) ou irradiando sabedoria (Sophia). Uma pequena amostra da extensão desse paradigma.
Enquanto amadurecemos no caminho, importa acolher o que o próprio trajeto nos oferece. A espiritualidade cristã poderá retomar, com novas óticas, preciosas pérolas de seu tesouro. É o caso da "mística esponsal" (que retrata a experiência de Deus como o enamoramento entre Amado e amada), dos estilos femininos de consagração (muito corajosos, como as antigas beguinas e as atualmente inseridas nos meios
populares críticos), da produção teológica feminina, das fundadoras e reformadoras.
Além disso, temos expressões paradigmáticas muito fortes: a experiência da misericórdia divina como mergulho no "útero" regenerador de Deus (rahamin); a ruah que sopra nas primaveras, desertos e corações; a morena Sulamita do Cântico dos Cânticos (que nos remete à Aliança, ao Jardim, ao dinamismo do Eros humano) e o
testemunho de inúmeras mulheres nas comunidades, ministérios e pastorais.


5. Rede planetária
Aldeia global. Proximidade midiática, Organizações supranacíonais. Correntes culturais em intercâmbio. Esses são alguns exemplos da interação que estreita as relações no planeta. Seja no campo da economia, das comunicações, da informática: ou no campo da política, do sindicalismo mundial, dos tóruns internacionais. A globalização é um fato, e o sistema em rede, sua estratégia: linhas diversas se cruzam
e amarram interesses.
A planetarização vai além do mercado e atinge a rede de interesses civis e culturais. Surge o conceito de "cidadania planetária"
e milhares de indivíduos se conectam no ilimitado "planeta digital". Os direitos humanos dialogam cada vez mais com a ecologia, solicitando novas edições do Direito Internacional e dos códigos de comércio. Povos reivindicam terra para estabelecer sua nação. Exasperam-se as diferenças regionais, ao mesmo tempo em que se incentiva a unidade e congraçamento das culturas e etnias. Ecologia, justiça, segurança alimentar, saúde e paz se imbricam na hodierna agenda global. A planetariedade interpela também as Igrejas Cristãs, as demais religiões, os fóruns internacionais, os programas ambientais, as entidades humanitárias e cada sujeito crente no mundo.
No encontro com o paradigma planetário, a espiritualidade se volta à experiência cristã da reconciliação. Paulo diz que Cristo estabeleceu uma aliança de universal. Toda a criação (cosmos) e todo o mundo habitado (oikoumene) são reconciliados na Nova Humanidade. Esse é o mistério da reconciliação, que desfaz os muros
divisores e nos une como membros do Cristo universal- Cabeça da humanidade e redimida (cf. 2Cor 5,11-21).
A reconciliação é um valor espiritual com consequências históricas quando as Igrejas, organizações cristãs e cada fiel individualmente promovem a unidade e a caridade além de qualquer fronteira. O planeta se torna a extensão visível do Reino de Deus. O cristianismo é chamado é estender sobre essa oikoumêne (humanidade) uma rede de justiça, de solidariedade e defesa da vida.
A espiritualidade da reconciliação responde a esse contexto à medida que faz de cada cristão um promotor da justiça e artífice da paz, administrador dos bens para o bem de todos, sinal vivo da cidadania que nos une a todos como Povo de Deus. Temos, aqui, um novo espaço de profetismo, diante dos interesses injustos que se globalizam para manter privilégios às custas da exclusão cultural, étnica e social.
Para a fé cristã, planetariedade significa a abrangência do shalom de Deus, que abraça a todos no seu amor salvífico, superando injustiças e discórdias (cf. Ef 2).
6. Subjetividade
A subjetivic4Kké o que qualifica um "sujeito". Pode ser entendida como o espaço interior, pessoal e profundo, onde o sujeito assimila suas experiências, as acolhe e as interpreta. Dizer "experiência subjetiva" não significa necessariamente ilusão ou irrealidade. Significa simplesmente que alguém é "sujeito das próprias experiências", devendo, com isso, aprender, discernir e tomar decisões a partir do que vivenciou. Examinar a si mesmo e acolher-se interiormente deve ser estratégia de aprendizado humano e maturação pessoal. Os equívocos acontecem quando se encara a subjetividade como destino final das experiências, aprisionando o sujeito em seus próprios nós, o que constitui fechamento e narcisismo.
Num mundo cansado e sem a segurança dos antigos esquemas, muitas vezes a subjetividade parece o melhor refúgio para os desejos e afetos, acolhendo um mundo secreto de temores, máscaras. e pequenos ídolos. Muitas pessoas alimentam-se de receitas orientalistas e esotéricas na esperança de autoconhecimento e cura. Buscam a renovatio (renovação total de si mesmas) à semelhança da Fênix, a ave mitológica que renascia das próprias cinzas. Afinal, os espaços exteriores e objetivos, que outrora nos ofereciam aprendizado e humanidade, estão atualmente em crise e câmbio de modelos. É compreensível a força desse paradigma, que influencia a sensibilidade religiosa e afetiva da pós-modernidade.
Mas o grande fruto das experiências subjetivas é o aprendizado que elas nos proporcionam: nos fazem conhecer melhor a nós mesmos, revelam luzes e sombras de nossa interioridade e educam a afetividade. Ou seja: nossa interioridade profunda tem papel pedagógico na edificação da personalidade. A subjetividade, portanto, não é um compartimento hermético, isolado dentro de nós mesmos, mas interior idade que - integrada sadiamente - faz do sujeito uma pessoa: "sujeito em relação" capaz de partilhar o seu mistério pessoal no encontro com o outro." Dizendo de outra forma: a subjetividade nos constrói, à medida que nos humaniza. E isso implica educar-se
para a relação, para a sensibilidade diante do outro - seja esse "outro" um semelhante, um ideal, o pobre, Deus ou a natureza. Essa abertura à relação tem papel decisivo em qualquer projeto de vida que pretenda alcançar realização e felicidade.
A mística cristã é muito cuidadosa quando se trata da subjetividade, para não prender Deus nas nossas próprias amarras. Se Deus é mais íntimo a mim que eu mesmo" - como diz Santo Agostinho é assim para me libertar de meus engodos e caprichos.
Deus reside em nosso íntimo, com certeza. Jesus mesmo o afirma: "Eu e o Pai viremos a ele, e nele faremos morada" (Jo 14,23). Habitando-nos na intimidade, porém, Deus permanece sempre outro: vive em nós, não para dormir em nossa subjetividade, mas para nos ensinar a viver nele, nos educando a uma vida ao sabor da Trindade - feita de relação, comunhão e partilha. A afetividade madura e a prática da fraternidade revelam uma subjetividade sadia e consistente, em condições de praticar os valores evangélicos (cf Lc 10,29-37; Mt 25,14-30 e 31-40).
Um dos desafios atuais da espiritualidade cristã é trabalhar o enigma da subjetividade, sem perder-se no caminho. Pessoas fragmentadas, com coração ferido e sem estima carecem ser atendidas de maneira adequada. Seguir um itinerário espiritual implica considerar atentamente a subjetividade. De um lado, o papel terapêutico da fé, abrindo brechas à graça, restaurando os sujeitos cansados e sem beleza. De outro, a contínua afirmação de Deus como alteridade que me supera e educa, que me habita, mas é maior que eu mesmo.
Temos aqui outro espaço de atuação, que pede uma atenção equilibrada dos cristãos, especialmente os que se dedicam à orientação espiritual, pastoral e psicológica.
7. Holística
A fragmentação citada acima não atinge somente os sujeitos. Também as ciências e a compreensão da realidade sofreram um processo de fragmentação. A modernidade erigiu a razão instrumental e analítica como "matriz" do conhecimento: tudo passou a ser examinado em partes, construindo um saber altamente especializado, porém limitado a cada fragmento. Perdeu-se o ideal do antigo "físico" capaz de contemplar a physis (natureza) em sua integralidade. Em vez disso, a razão instrumental inaugurou o império da techné: a tecnologia e a pretensão de progresso absoluto e fim de todos os males.
O paradigma da análise se instalou, juntando-se aos dualismos presentes na cultura ocidental: o dualismo corpo-alma, terra-céu, espírito-matéria, conceito-símbolo, razão-emoção. Sem dúvida esses elementos constituem "dualidades". Sua interação dinamiza a existência humana. Mas "dualidade" não significa divisão, dualismo e muito
menos oposição. As consequências desse padrão analítico-divisor foram muitas: distanciamento entre racionalidade instrumental e racionalidade simbólica, rigorismo ascético que desprezava o corpo para conquistar a elevação espiritual, distanciamento entre Igreja e sociedade, bloqueios e patologias na afetividade, desequilíbrio no
relacionamento homem-mulher etc.
Hoje existem reações ao dualismo, em prol de uma visão mais integral e unitária do ser humano, do saber e do cosmos. Essa tentativa de compreender a realidade de modo integral e superar o olhar meramente analítico chama-se holística. Do grego hólon -totalidade ou unidade integral. As ciências dão os primeiros passos para uma antropologia holística, uma psicologia holística, uma medicina holística etc. No momento, não há sistematizações acabadas. O pensamento holístico está em fase de ensaio, colhendo a contribuição dos diversos ramos científicos e das religiões.
No centro da proposta holística, percebemos a busca da unidade. Entre as palavras de ordem estão "harmonia" e "integração". Não no sentido de monismo ou uniformidade, mas como plenitude multiforme. Do ponto de vista dos sujeitos, tenta-se refazer a realidade fragmentada, restaurar a afetividade despedaçada, remodelar os relacionamentos, reconciliar os desejos, práticas e escolhas. Essa busca lembra o ideal cristão do "coração indiviso", moldado pelo Espírito para experimentar a vida nova que nos faz criaturas reconciliadas. Aliás, costumamos nos referir a essa "unidade interior" quando tratamos do seguimento de Jesus, da fidelidade a Deus, da vida afetiva e da oração.

Ultimamente tem havido muito empenho em se cultivar uma espiritualidade integral e verdadeiramente evangélica. Acreditamos que esse processo pode ser enriquecido com a percepção holística - naquilo, é claro, que contribui para uma vivência cristã fiel à proposta de Jesus. Eis alguns pontos a serem trabalhados: a integração do desejo e da liberdade na experiência de Deus; o aprendizado de uma nova ascese que considere atentamente o Eros humano, o corpo e as exigências do Reino; a encarnação do Verbo como superação do dualismo matéria-espírito; a valorização da intuição e da beleza no caminho da oração pessoal; o cultivo da contemplação integrada à práxis; a capacidade de ver Deus em todas as coisas e discernir sua vontade nas contradições; e o amadurecimento das relações inter-pessoais, especialmente homem-mulher.
O pensamento holístico tende a expandir seu olhar para horizontes cósmicos, multipolares e transculturais. Enquanto o ensaio prossegue, a espiritualidade poderá investir na inteireza do sujeito na experiência de fé, formando discípulos capazes de acolher o Espírito com alegria e saúde, e dar testemunho da fé que nos recria à imagem de Jesus Cristo.
IlI. TRAÇOS DE RECONFIGURAÇÃO
Certas características já acenam para uma nova configuração da espiritualidade cristã. Destacamos cinco: a mistagogia, a redescoberta de Jesus Cristo e os sacramentos, a solidariedade, a comunidade de vida e a itinerância.
1. Mistagogia
Mistagogia'é a arte de acolher uma pessoa que adere à fé cristã, inserindo-a e acompanhando-a no caminho espiritual. A mistagogia é a "pedagogia do mistério", com tudo o que isso implica: iniciação à fé, aprendizado da oração, acolhida do Espírito, discernimento, conversão, experiência de vida nova e inserção na comunidade de
fé. A mistagogia bebe das fontes da espiritualidade cristã, enriquecida ao longo dos séculos com as grandes Escolas espirituais e os Mestres de ontem e de hoje. Muitas vezes se fala de mistagogia como uma dimensão da liturgia. Aqui, porém, trata-se de acentuar o caráter mistagógicoda espiritualidade, considerando a iniciação ao seguimento
dejesus e seu aprendizado constante. Os orientadores espirituais e pregadores de retiro exercem a função de mistagogos. Mas outras estratégias estão sendo pensadas e organizadas seriamente: grupos de oração e partilha, núcleos de vivência e celebração cristã, liturgias mais orantes etc. O espaço está aberto.
2. Encontro com Jesus nos sacramentos
Espiritualidade que possibilite às pessoas uma verdadeira experiência de Jesus. Não apenas uma espiritualidade de lembranças, que comemora a experiência dos apóstolos, de Maria e outros discípulos, mas que oportunize ao fiel - no seu tempo cotidiano - experimentar a pessoa do Jesus Amigo e Messias. Os sacramentos, nesse caso, oferecem belas possibilidades: renovação da graça batismal, perdão, confirmação da fé etc. Isso, desde que a celebração permita que o sacramento seja o que de fato deve ser: a Ceia eucarística necessita urgentemente ser mais bem celebrada, com a partilha efetiva do Pão e do Vinho para todos, com beleza e profundidade, utilizando-se refrões orantes, gestos adequados e um ritmo que possibilite o toque da graça. O mesmo se diga da Unção e da Reconciliação: com tantas pessoas feridas, seguidoras de Jesus, mas fragmentadas e magoadas,
é um grande bem celebrar a Unção e a Reconciliação como "sacra-mentos de cura", que nos restauram interiormente e nos libertam para a prática da justiça e da misericórdia evangélicas.
3. A diaconia da solidariedade
A espiritualidade cristã ressalta a ágape como o dom que não passa: caridade, perdão, compromisso social, postura ética clara, estabelecimento de relações justas, partilha de bens e talentos. O itinerário de fé nos educa a viver do jeito de Jesus: superando preconceitos, exclusões e fronteiras, em atitude oblativa. Num contexto
ambíguo - com pessoas refugiando-se em espaços esotérico-subjetivos e outras assumindo posturas sectárias e excludentes - se toma profética a participação cristã em projetos de solidariedade, combate à fome e outras ações. Esse é o "bom fruto" que deve coroar as celebrações e o crescimento espiritual de cada sujeito. A palavra inspiradora será "misericórdia" (cf.Lc 10,30~37).
4. Koinonia
A comunidade é o lugar do Espírito e da Palavra. Ali experimentamos perdão, acolhida e partilha. Com sucesso vemos se multiplicarem grupos de espiritualidade, onde a oração pessoal, a afetividade e o cotidiano profissional-familiar se integram no seguimento de Jesus. Contudo, isso pede clareza, organização e respeito aos sujeitos. Nem sempre o critério paroquial é o melhor para organizar grupos de partilha. Na urbanidade o critério são as categorias sociais e os interesses: formação de núcleos cristãos em rede, ora com jovens, ora com casais, ora com professores etc. É importante proporcionar experiências a partir dos espaços já partilhados (num colégio, com um grupo de periferia, empresa, condomínio ou uma pastoral específica). Núcleos assim organizados superam mais rapidamente os bloqueios e diferenças de linguagem. Traços comuns reforçam a 'solidariedade orante' que o grupo irá vivenciar, pois as semelhanças aproximam a todos, fazendo do grupo uma verdadeira comunidade de vida.
5. ltinerância
A experiência cristã nos propõe uma espiritualidade com bagagem pascal, que nos permita peregrinar em outros espaços, linguagens e horizontes: a ecologia, o feminino, o universo simbólico, a subjetividade, os direitos humanos, a política, o encontro comas religiões, as artes. Cada tópico representa um lugar da fé. A espiritualidade
não se sustenta como um sistema ideológico monolítico, definido em manuais. Necessitamos educar os cristãos e cristãs para peregrinar. Inclusive nos desertos e espaços inéditos. Vivemos um processo de releitura criativa do nosso secular patrimônio espiritual, ao mesmo tempo em que descobrimos novas modalidades de profetismo e inserção no mundo hodiemo.
Conclusão
O encontro com novos paradigmas toca tanto as raizes da espiritualidade quanto sua permanente novidade. Os acenos apresentados acima indicam mudanças já em curso e apontam para o futuro. Nosso contexto é de ensaio e discemimento. Encerrando esta reflexão - mas prosseguindo o caminho - esboçamos alguns traços, a nosso ver, significativos para uma reconfiguração da espiritualidade cristã. Os traços vêm acompanhados de "sete palavras geradoras" que explicitam o novo emergente:
1)  Mistagógica: mistério, iniciação, experiência, intuição, sacramento, caminho, seguimento.
2)  Dinâmica: conversão, renovação, pluralidade, diálogo, carisma, cotidiano, missão.
3)  Erótico-agápica: desejo, vínculo, gratuidade, paixão, Eros, caridade, relação.
4)  Comunitária: encontro, memória, Igreja, Trindade, eucaristia, comunhão, ecumene.
5)  Estética: símbolo, beleza, arte, encanto, ícone, criatividade, contemplação.
6)  Telúrica: Terra, mãe, ecologia, cultura, humanidade, cosmos, vida.
7)  Diaconal: oblação, testemunho, solidariedade, história, cidade, misericórdia, libertação.

Sete vezes sete. Dom sem medida. Graça sobre graça.
"Eis que faço novas todas as coisas!" (Ap 21,5)

Apostila retirada do livro:
O labirinto sagrado.
Marcial Maçaneiro
Editora Paulus